domingo, 27 de fevereiro de 2011

A condicao poetica


como se tivesse em vez de olhos binóculos ao contrario, o mundo se distancia e pessoas, arvores, ruas, tudo diminui, mas nada, nada perde a clareza, fica mais denso.
Ja tive antes momentos assim, escrevendo poemas; conheço então a distancia, a contemplação desinteressada, sei assumir um eu que e nao - eu, mas agora e sempre assim e me pergunto o que significa isso, se entrei numa permanente condicao poetica.
As coisas difíceis antes, agora sao faceis, mas nao sinto desejo forte de transmiti -las por escrito.
So agora estou sadio, e era doente, porque o meu tempo galopava e afligia-me o medo do que viria. A cada momento o espetaculo do mundo e para mim de novo surpreendente e tao cômico que nao entendo como a literatura podia querer domina-lo.
Sentindo fisicamente, ao alcance da mao, cada momento amanso o sofrimento e nao suplico a Deus que queria afasta-lo de mim:
Por que o afastaria de mim se nao o afasta dos outros?
Sonhei que me encontrava numa estreita borda sobre o oceano onde se viam nadando enormes peixes marítimos.
Tive medo que se olhasse, cairia. Virei entao, agarrei-me nas asperezas da parede rochosa, e movendo-me lentamente, de costas para o mar, cheguei a um lugar seguro.
Eu era impaciente e irritava-me a perda de tempo com coisas triviais incluindo entre elas a faxina e a preparação da comida.
Agora corto com cuidado a cebola, espremo os limões, preparo varios tipos de molho. Czeslaw Milosz / A condicao poetica.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011



Obturação, é da amarela que eu ponho.
Pimenta e cravo,
mastigo à boca nua e me regalo.
Amor, tem que falar meu bem,
me dar caixa de música de presente,
conhecer vários tons pra uma palavra só.
Espírito, se for de Deus, eu adoro,
se for de homem, eu testo
com meus seis instrumentos.
Fico gostando ou perdôo.
Procuro Sol, porque sou bicho de corpo.
Sombra terei depois, a mais fria.

Adélia Prado