quinta-feira, 26 de março de 2009
MUITAS CHANCES NUMA ÚNICA CHANCE
Telhados, ar condicionado, piso, rachaduras, ventiladores de teto. Ele mora na mesma quadra e nunca demora a vir.
Enquanto cimentava a escada do pátio, Leonel levantava altivamente o rosto quando provocava a figura materna. Atento, gargalhava a cada disparo de afeto.
Ao guardar a pá e o carrinho de mão, confessou:
- Minha mãe morreu quando nasci. Vejo vocês e tenho saudade da saudade.
Partilho semelhante inveja. Quando vou sozinho a um restaurante, não canso de espiar as conversas de casais. Eu me interesso pelos assuntos mais frívolos. Ponho a mão no queixo, o guardanapo nos joelhos e admiro o espetáculo da intimidade. O amor que pode ser amor ali, acontecendo em minha frente entre descrições de trabalho e confissões de meio-dia. O amor ali, camuflado e prosaico, mas devidamente forte para atravessar a morte e prometer vida eterna mesmo que não tenha eternidade depois. Mesmo que um dos dois sequer acredite em Deus.
Há gente que faz o contrário de Leonel. Mata o amor no momento em que ele nasce.
Pois não pensem que todos querem um amor grande. Reclamam, mas não querem.
Há gente que diminui o amor de propósito para não sofrer com ele. Elabora uma versão para provar que ele não existiu. Deixam o amor escapar, sumir, desaparecer para não se atrapalhar. Há gente que até se convence que aquele amor grande não era devidamente grande.
Há gente que pede um amor pequeno, doméstico, que não desestruture seus hábitos. Um amor anão de jardim, um amor de balcão, de pé, rápido. Um amor minúsculo, sem acento, que não rivalize o amor próprio. Que esteja próximo mas não fale alto, que esteja perto mas não influencie, que seja chamado quando se tem vontade e seja desfeito quando não serve mais.
O amor grande não traz uma felicidade constante - é a principal cilada -, traz uma felicidade irregular, intensa, atávica, que voa muito mais alto do que o conforto. Na estabilidade, é fácil sair da felicidade e da tristeza. No amor, descobrimos o quanto podemos ser felizes, e incomoda ter que buscar mais felicidade. Descobrimos o quanto podemos também ser tristes, e incomoda que não sairemos da tristeza sem que o amor volte.
Há gente que não tem esperança para se arrepender. Que sente ciúme de não ter sido assim antes e não se permite não ser mais como antes. Que vai terminar o amor para não se mostrar incompetente. Que prefere adiar o julgamento a se abrir para a verdade. Que não perdoa no momento de se perdoar. Um amor miúdo vai ao psiquiatra de manhã e termina a relação de noite. O amor grande termina com psiquiatra de manhã e se reconcilia à noite.
Porque o amor grande é uma insanidade lúcida, nem os melhores amigos entendem, é detratar e se retratar com mais freqüência do que se gostaria. Amor é o excesso de responsabilidade, de encargo, confiado a quem nos acompanha. Oferecemos o que não conseguimos alcançar.
Sempre seremos menores do que ele, já que é o único que cresce na extinção. Minha mãe costuma dizer que casamos quando encontramos uma solidão maior do que a nossa - só assim saímos da própria solidão.
Há gente, sim, que muda de amor para não mudar de opinião, que muda de homem para não mudar sua rotina, que manda onde não vigora poder e dominação. Que culpa o amor por não dar conta dele, que ama já pedindo desculpa por não amar.
O amor grande não é um grande amor.
Há gente, eu conheço, que desperdiça a chance do amor grande porque há apenas uma chance para amar grande. Muitas chances dentro de uma chance. O resto são disfarces, suturas, apoios.
Amor grande seria insuportável duas vezes nesta vida. Ou a gente se apequena para receber esse amor ou permanece se engrandecendo para não aceitá-lo.
Fabricio Carpinejar
sábado, 21 de março de 2009
segunda-feira, 16 de março de 2009
O que pode ser mais triste?
um tigre de circo, alguém
perdido?
uma promessa quebrada
como um brinquedo, um segredo
contado, terremoto, lar
desfeito, desejo (medo)
desperdiçado?
defeito, braço direito,
amputado, fósforo
molhado?
o que pode ser mais triste?
vaca, chuva, trapo?
criança calada, escravo?
poça, lago, vidro (amor
não correspondido)
embaçado?
palavra errada, guerra, marte?
pêndulo, empate?
feiúra, cegueira
fim de festa, falta
de vontade?
(uma coisa triste de)
verdade?
Arnaldo Antunes.
sexta-feira, 13 de março de 2009
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
quinta-feira, 12 de março de 2009
Este é o espírito da época... vamos entregar nossa vida a Deus! Vale tudo??
Igreja Renascer monta ringue de vale-tudo em templo para atrair mais jovens a culto em SP
APU GOMES
repórter-fotográfico da Folha de S.Paulo
DANIEL BERGAMASCO
da Folha de S.Paulo
Dois, três, quatro rounds e, com o perdedor estirado na lona, o pastor Mazola encerra a primeira série de lutas e anuncia o início do culto.
É 1h da madrugada de sábado e o templo da Igreja Renascer em Cristo em Alphaville, na Grande São Paulo, abriga seu primeiro campeonato de vale-tudo, esporte de combate que mescla modalidades como boxe e caratê. "Queremos atrair mais jovens", conta o bispo Leandro Miglioli, 33, de jeans e camiseta polo.
Sem álcool e cigarro, mas com a pancadaria tradicional do esporte, o festival reuniu frequentadores de academias da região para se enfrentarem no ringue colado ao altar. O público (bermuda, chinelo, tatuagem) vibrava.
O locutor do embate ficava no palco onde os pastores fazem as pregações. Na pausa para louvor no mesmo local, o pastor Mazola (cabeça raspada e camiseta regata de lutador) contou que já foi usuário de drogas e convocou os presentes a se converterem.
"Cerca de 60 jovens entregaram a vida para Jesus", diz Miglioli, que cadastrou nomes e telefones dos convertidos.
Culto encerrado, a luta continua -até depois das 3h30, cinco horas após começar. Satisfeita, a igreja fará outro campeonato neste ano.
"Um ringue ao lado do altar é inusitado, mas não extraordinário entre evangélicos", diz a antropóloga Clara Mafra, pesquisadora da religião. "Nos anos 1940, eles introduziram no Brasil guitarras em cultos. Nos anos 1950, a Assembleia de Deus fez concursos de miss entre as irmãs e não deu certo. A junção de sagrado e mundano causa estranheza, que pode ser ruim ou ter apelo como bom marketing religioso."
Jiu-jitsu
Duas vezes por semana, o mesmo templo da Renascer fica aberto para treinos de jiu-jitsu. "Quem vem aprende esporte e larga os vícios do mundão", diz Emerson Silva, 27, que se diz cético sobre as polêmicas envolvendo a igreja (prisão dos líderes por sonegação e críticas pela queda do teto de um templo que deixou nove mortos).
As lutas acontecem no fundo da igreja, após os cultos. "O primeiro foco é Deus, mas o esporte ajuda os jovens", diz Filipe Farias, 18, frequentador também da igreja Bola de Neve, que adota sintonia com esporte --no caso, uma prancha de surfe sobre o púlpito.
terça-feira, 10 de março de 2009
Mais um dia com a cartomante, mais um dia a ruminar lembranças, ávida por arrancar o cravo de minha alma, por colar no mosaico que sou uma peça que talvez viesse trazer sentido
Oxalá, hoje sei que dor de ranger os dentes se em noite de lua dói mais forte é só esperar que passa. Sei também que amor plantado sob sua luz brota e pode ate crescer, isso, talvez não passe nunca!Passar é diferente de acabar.
Busco o que sou e tudo já foi dito. Entre dentes murmuro a Deus minha inveja de Adélia a dizer do amor e da dor, Clarice e a barata de cada dia, Drumonnd com os sentimentos do mundo, Hilda a conter o coração... O desassossego de Pessoa habita em mim, a lucidez de Caio me cega os olhos. E foi tanto a embriagues de Mendes Campos que ando roxa de bater os joelhos pelas quinas. A poesia de Vinícius e a dignidade de Carpinejar alimentam meus sentidos. Na minha alma esta tatuado Rosa que brotou na pele feito marca de nascença.
Então é isso? Pus-me a pensar no caminho de volta ao trabalho, e por falar em trabalho...(deixemos o trabalho pra depois daria horas de palavras). Voltei a pensar na vida e sua ardilosa facúndia.
A vida que bebe seu sangue a conta gotas, mulher do tempo a te arranca o escalpo olhando pra ampulheta sem piedade.
Ah ... a ponta do novelo que não consigo achar, essa inaptidão pro exato, esse desconforto em estar nos lugares que me apertam os pés. Onde devesse estar então? Quase gritei.
E o mosaico que sou deveria estampar figuras cotidianas? Mais uma pergunta... sentei, pedi um café gelado. Minha cabeça doe de aperto. Cansaço é o que me toma por inteiro.
Devo estar inserida? Preciso estar... onde? O eu mosaico precisa de diploma, precisa ser manso, saber conviver, respeitar, começar, terminar... precisa de tanta coisa! Aprender pq nasceu, quem colou as primeiras pedras, quem o balançou em braços tão firmes. O eu mosaico precisa saber quem o dependurou na soleira pela primeira vez. Ele está perdido, procura onde se encaixar, procura a pedra que falta.
Quase no fim do café me saltou aos olhos que a vida te cospe na cara, te deixa de quatro, te chama de palhaço. Te coloca no banco ate que você aprenda as regras do jogo. E é preciso estar atento, o tempo é curto e você corre sim o risco de não entrar em campo.
Bebi até a ultima gota do meu café, fiz barulho com o canudinho, aquele barulho sem educação. Defenestrei a vida!
Thania Furbino – 10/03/2009