terça-feira, 6 de outubro de 2009

Três sujeitos íntimos




Nicodemus, Nicomedes e Nicobar eram três irmãos. Nicodemus viu o ovo; Nicomedes viu a Eva; Nicobar viu a ave. Nicodemus era datilógrafo amador rapidíssimo; Nicomedes estudou a filosofia dos sonhos; Nicobar aprendeu a tocar de ouvido o poeta Garcia. Nicodemus confiava mais na ira do Deus vivo que em Sua misericórdia; Nicomedes andava depressa e promoveu greves de bonde; Nicobar tinha medo de cães e música erudita. Nicodemus se lembrava com terror de seu avô Nicolau, morto aos 89 anos , nu, em Minas, pulando de um telhado ; Nicomedes não aprendeu a dar laços de gravata; Nicobar apanhava no ar qualquer objeto que se despencasse, mas nunca deu resposta a uma carta. Touro, Capricórnio, Peixes. Nicodemus não despia o casaco dentro de casa, fumava no escuro, com horror que alguém tocasse a campainha de madrugada; Nicomedes praticava o suicídio qüinqüenal; Nicobar bebia demais.
Nicodemus, Nicomedes e Nicobar eram três irmãos. O primeiro falava francês; o segundo falava coisas – pura, púrpura, grande duque imerso em cinzas – para não ficar louco; o terceiro, se falava, era tocado por um anjo, que o silenciava.
Nicodemus, Nicomedes e Nicobar eram três máquinas humanas, três partituras partidas, três telegramas anônimos. Dum pedaço de madeira, Nicodemus compunha um crucificado; de contrário aglutinados, Nicodemus se ria; com uma palavra embrulhada, Nicobar se afastava.
Nicodemus, Nicomedes e Nicobar eram três mastins: Sumedocin, Sedemocin, Rabocin. Três irmão mastins. Sudemocin meditava; Sedemocin inventava, Rabocin imaginava. Gania, grugulejava, crocitava. Vinculum, vínculo, vinco, vinco. Polypum, pólipo, polvo. Strike, struck, stricken.
Nicodemus, Nicomedes e Nicobar só tinham duas coisas em comum: o fogo profundo que acende os objetos, consumindo-os; e a lembrança silenciosa de Nicolino: Onilocin.

Paulo Mendes Campos

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